Carta de Fortaleza aprovada no I Congresso da AMN-MF.
Carta de Fortaleza
Os cento e cinqüenta médicos e médicas presentes ao I Congresso Nacional da Associação Médica Nacional “Dra. Maíra Fachini”, representando vinte unidades da federação, dirigem-se à sociedade brasileira para reafirmar seu compromisso com o progresso social, econômico e político do país, com a real distribuição da renda e da riqueza produzida por milhões de trabalhadores e trabalhadoras e com a construção e consolidação do Sistema Único de Saúde.
O SUS encontra-se no centro das discussões das politicas públicas do país e das demandas da população pelo acesso, acolhimento e resolutividade na atenção e assistência à saúde.
O SUS é parte integrante e fundamental da rede de proteção social construída com base na Constituição Cidadã de 1988, uma conquista do povo brasileiro e da luta dos movimentos sociais e populares, particularmente do movimento da reforma sanitária que concentrou toda sua formulação e plataforma programática na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986.
Este I Congresso da AMN-MF entende como fundamental a necessidade de o país avançar em relação a três eixos fundamentais do funcionamento das politicas públicas em geral e particularmente do SUS: o seu financiamento, a valorização do trabalho multiprofissional e o controle social.
Deploramos o recente desfecho do projeto de regulamentação da EC 29, no Congresso Nacional, eis que a questão crucial para o financiamento do SUS (a taxação das movimentações bancárias) foi derrotada pelos parlamentares descomprometidos com a saúde pública e mais preocupados em atender aos apelos dos seus financiadores de campanhas eleitorais, titulares de imensas movimentações financeiras.
O I Congresso da AMN-MF defende como tarefa urgente a implantação de um plano nacional de cargos, carreiras e salários para os trabalhadores do SUS, garantindo salário digno para todas as profissões da área da saúde, com adicionais diferenciados que permitam resolver as demandas de provimento e fixação dos profissionais em regiões negligenciadas, áreas remotas e de vulnerabilidade social, tanto no campo como na cidade. Nesse novo marco regulatório da gestão do trabalho no SUS, defendemos a dedicação exclusiva de todos os profissionais da área, demarcando claramente o espaço dos profissionais que se dedicam ao setor público daqueles que se dedicam à área privada.
Propugnamos também pela valorização da atenção primária na saúde e do trabalho dos profissionais que atuam na estratégia de saúde da família e comunidade que deve ser o principal eixo estruturante do sistema único de saúde e porta de entrada preferencial para o acesso dos usuários às ações e serviços de saúde. A residência médica em MFC, bem como a residência multiprofissional, devem obter todo o reforço legal e institucional no sentido de afastar a “contaminação do mercado” que empurra uma faixa considerável de médicos e médicas para especialidades “mais rentáveis”, na contramão das prioridades do SUS e do povo brasileiro.
Nesse mesmo sentido, defendemos o fortalecimento das “práticas integrativas e complementares da saúde” como parte das ações estruturantes do SUS, especialmente quando conjugadas com a estratégia da saúde da família, incorporando à base científica da prática médica os saberes populares transmitidos secularmente por nossos ancestrais, em especial negros e índios.
Por outro lado, repudiamos a propaganda da grande mídia no sentido de“estigmatizar” médicos e médicas que trabalham no SUS. Quando dessas campanhas sensacionalistas sobre a falta de médicos no SUS, as grandes empresas de comunicação omitem o trabalho abnegado de milhares de profissionais, de diferentes áreas da saúde, que ajudam a construir o dia-a-dia do SUS, trabalhando com base em um princípio basilar da atenção e promoção da saúde: a humanização.
Este I Congresso Nacional da AMN-MF conclama a todos os movimentos sociais e populares, às representações dos trabalhadores e dos gestores do SUS, à valorização e fortalecimento do controle social e da atuação dos conselhos setoriais de formulação, articulação e controle social da execução das politicas públicas. A atuação dos movimentos dentro e fora desses conselhos, Brasil afora, foi fundamental para derrotar, na recém realizada XIV Conferência Nacional de Saúde, as propostas de privatização e terceirização do SUS. Trata-se de fato político da maior importância, em meio à clara violação dos princípios do SUS pela atual miopia de gestores e por interesses econômicos inconfessáveis, que entregam a gestão e execução dos serviços do SUS para ONGs, OSs e OSCIPs.
Também defendemos mudanças profundas na gestão da educação em saúde, de maneira a incorporar ao SUS centenas de médicos e médicas que anualmente se graduam e se especializam no exterior. É repugnante a ação de gestores que, em nome de interesses impublicáveis, concentram o seu trabalho nos governos de olho na construção de barreiras para impedir que esses profissionais trabalhem em nosso país. Reiteramos, portanto, os termos do Manifesto de Fundação da AMN-MF, de novembro de 2009, que destacou como um dos nossos eixos de luta “o reconhecimento dos diplomas de medicina expedidos no exterior, tendo como base a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) e as Resoluções do Conselho Nacional de Educação. Entendemos o Revalida, elaborado nos gabinetes dos Ministérios da Saúde e Educação, como uma tentativa disfarçada de mudar o marco legal da revalidação dos diplomas médicos, atendendo aos interesses do mercado e das entidades médicas conservadoras.
A luta contra essa odiosa discriminação contra os médicos e médicas que se formam no exterior passa pelo fortalecimento da integração entre as nações, especialmente na América Latina, combatendo toda forma de xenofobia e articulando ações e propostas com os movimentos sociais sediados no exterior, especialmente com representações estudantis, como a OCLAE (Organização Caribenha e Latinoamericana de Estudantes) e a ABEMEC (Associação Brasileira de Estudantes de Medicina em Cuba)
A AMN-MF, em seu I Congresso, reitera seu compromisso com a solidariedade internacionalista, com a luta pelo respeito à soberania das nações e com a luta de Cuba contra o bloqueio econômico imposto há cinquenta anos pelos EUA e que causa grandes prejuízos humanos e materiais ao povo cubano. Conclamamos a que se ponha um fim a todo tipo de hostilidade contra Cuba, inclusive à ilegal prisão de cinco revolucionários cubanos que se encontram, desde 1998, presos nos Estados Unidos. A AMN-MF se solidariza a esses cinco companheiros (Gerardo, Fernando, Antonio, Ramon e Renê, este último já fora do cárcere, mas impedido de voltar a Cuba) e solicita a mediação do governo da companheira Dilma Roussef (também uma ex-presa politica), junto ao Governo Barak Obama, pela imediata libertação daqueles heróis cubanos.
Fortaleza(CE), 11 de dezembro de 2011.
I Congresso Nacional da Associação Médica Nacional “Dra. Maíra Fachini”